Diretor de consultoria avalia o mercado imobiliário nos grandes centros sem deixar de lado as questões urbanísticas
Por Eric Cozza
Os consultores de imóveis costumam guardar algumas idéias sobre como deveriam funcionar as cidades, para qual lado poderiam crescer, de que forma e sob quais condições. Poucos, porém, se arriscariam a divagar tanto, por vezes contrariando interesses do próprio negócio, quanto o diretor da Commercial Properties, Aloísio Barinotti. Verdade que a sociedade costuma se enganar ao ver entre os urbanistas e os homens do mercado imobiliário um fosso abissal, intransponível. Esses profissionais convivem em todo o mundo e, não raro, trabalham juntos no desenvolvimento dos mais diversos empreendimentos.
O pensamento de Barinotti comprova isso. O engenheiro e administrador de empresas é capaz de praguejar contra o boom imobiliário vivido pela região da avenida paulistana Engenheiro Luís Carlos Berrini - onde fica, aliás, o escritório da Commercial Properties - e, ao mesmo tempo, defender a viabilidade econômica de outros grandes empreendimentos espalhados pelo País. "Ninguém pode viver bem em uma cidade infernal", afirma Barinotti.
Originária da divisão de imóveis do grupo multinacional britânico Vestey, a Commercial Properties pertence, hoje, aos sócios brasileiros - entre os quais se inclui Barinotti - e à DTZ (Debenham Thorpe Zadelhoff), empresa de origem inglesa com forte presença alemã. Faz desde serviços de consultoria e planejamento imobiliário, passando pela comercialização de imóveis, até pesquisa de mercado e desenvolvimento de projetos. A seguir, trechos da entrevista em que, além de se arriscar a falar um pouco sobre urbanismo, Barinotti discorre sobre o trabalho desenvolvido pela Commercial e sobre a falta de financiamento para empreendimentos imobiliários no Brasil.
O senhor costuma enxergar a atividade imobiliária tanto pelo lado dos negócios quanto pelo lado urbanístico. São Paulo é uma cidade onde o embate entre essas duas vertentes costuma ser bastante tenso. Como o senhor vê a constante mudança do pólo de escritórios da cidade, que esteve no Centro, passou pela Paulista, pela Faria Lima, chegou à Berrini e agora também ao extremo sul da marginal do rio Pinheiros?
Barinotti - Esse é um assunto que gosto muito. Por isso sempre me pergunto: por que as pessoas sentem orgulho de visitar o centro de qualquer cidade americana, canadense ou mesmo Buenos Aires, e isso não acontece em São Paulo? Por que ainda não revitalizamos o centro da maior cidade brasileira? Para que tanto investimento imobiliário na marginal do rio Pinheiros, na Chácara Santo Antônio, ou mesmo na Berrini, quando você tem o Centro, com uma extensa malha viária, com opções de transporte coletivo e toda a infra-estrutura urbana? Só encontro uma resposta: porque toda essa área da marginal Pinheiros, por exemplo, é zona seis, uma área em que se permite a construção de prédios altos. Os terrenos eram baratos e foram comprados para abrigar grandes empreendimentos, à beira do rio, com o intuito de criar uma nova cidade. Só que a prefeitura teve de asfaltar, trazer água, luz, transporte e toda a infra-estrutura. Me pergunto, de novo: quanto isso custou para nós, cidadãos?
O senhor não está atacando o próprio segmento em que atua?
Barinotti - Talvez. Mas o problema continua o mesmo. Deveríamos revitalizar o centro de São Paulo. A taxa de ocupação permitida lá deveria ser bem maior. Poderíamos fazer como Chicago ou Nova Iorque. Há um enorme espaço naquela região que poderia ser desfrutado por toda a população. Existem edifícios velhos, alguns inúteis, pagando um Imposto Predial Territorial e Urbano ridículo. Prédios assim poderiam ser implodidos para a construção de torres altas, capazes de ocupar aquele espaço de outra forma.
O empresário Mário Garnero tem um projeto do gênero para a região, o São Paulo Tower, que seria um dos prédios mais altos do mundo. É a saída que o senhor defende para o Centro?
Barinotti - O prédio do Garnero possui a grande qualidade de estar inserido no âmbito da revitalização do Centro, da reurbanização daquela área. O meu medo no Brasil, entretanto, é a convivência entre galerias de lojas, escritórios, hotéis - existem vários casos de residências, também -, em um mesmo espaço, como prevê esse projeto. Os exemplos paulistanos de ocupação mista não são dos melhores. Para citar apenas dois, posso me recordar, no momento, do edifício Copan, no Centro, e do Nações Unidas, na esquina da Avenida Paulista com a Brigadeiro Luís Antonio. São empreendimentos que trazem logo à lembrança a imagem da degradação. Misturar várias atividades dentro de um mesmo bloco é meio assustador em nosso país. Em outros, isso não representaria problema algum. Aqui, tenho medo de que o prédio possa acabar se transformando em um grande cortiço.
Quando o senhor critica, por exemplo, a grande atividade imobiliária na região da marginal do Pinheiros não estaria se esquecendo de que algumas empresas têm demanda por lajes de grandes dimensões e vãos livres extensos, que só grandes terrenos, como os encontrados lá, poderiam proporcionar?
Barinotti - Você sabe qual é a taxa de vacância naquela região?
Qual?
Barinotti - Enorme. Quase trinta por cento. Se você somar o Centro Empresarial, a área da Chácara Santo Antônio e a Berrini, vai constatar uma taxa de vacância muito grande. Se formos cair nessa lenda, daqui a pouco teremos de construir lajes de quatro mil metros quadrados, algo que não caberia em lugar nenhum. Esse foi um conceito criado para ser vendido ao público, como se os profissionais de uma companhia tivessem de estar todos concentrados no mesmo ambiente, no mesmo andar. Não acredito que o caminho seja por aí. De qualquer forma, o Centro possui diversos prédios que, caso passassem por um retrofit, seriam bastante atrativos. Tome como exemplo aquele edifício do grupo Votorantim, na rua Formosa. Veja a laje daquele prédio, como é enorme. A Avenida Paulista também tem aqueles terrenos dos casarões, onde daria para construir lajes de grandes dimensões.
Qual seria a saída para resolver esses problemas urbanísticos em São Paulo?
Barinotti - Tudo isso poderia ser evitado com um novo plano diretor e uma nova lei de zoneamento, que fosse coerente com as condições de habitação e da taxa de ocupação do solo. Quer abrir um bairro aqui? Tudo bem, desde que você coloque asfalto, água, luz, enfim, toda a infra-estrutura necessária. O ser humano é o único animal que arrasa uma determinada área e depois parte para outra, degradando um espaço de cada vez. Que conceito de vida é esse? Que qualidade de vida é essa? Será que eu tenho, mesmo, de sair às nove horas da noite do escritório para fugir do trânsito? Ninguém pode viver bem em uma cidade infernal.
Os problemas de São Paulo se repetem em outros centros urbanos brasileiros?
Barinotti - Sou paulistano e defendo São Paulo. Mas não dá para comparar essa cidade, por exemplo, com o Rio de Janeiro. São Paulo é muito pior estruturada. Apesar de sujo e até um pouco degradado, o centro do Rio de Janeiro foi muito melhor planejado. O zoneamento no Rio é muito mais restritivo do que em São Paulo. Agora que começaram a ser introduzidos alguns conceitos equivocados, como o da Barra da Tijuca. Mesmo assim, apesar de não aprovar o conceito, tenho que admitir: a vantagem, no caso da Barra, é que a população já estava lá. Os pólos de escritórios são apenas conseqüência disso. Há, pelos menos, um motivo. Em São Paulo, se criam bairros por oportunidades de negócio e porque a legislação permite tudo.
E Curitiba, que está vivendo um grande boom industrial? Apesar de ser uma cidade bem planejada, não corre o risco de ter problemas no futuro?
Barinotti - Como você disse, Curitiba é planejada. Tem um plano diretor restritivo, uma lei de uso e ocupação do solo coerente. Se o município continuar permitindo indústrias em uma determinada região, centros de distribuição em outras, pólos de escritórios no Centro ou em outros bairros apropriados, deve seguir indo bem. Considero remota a possibilidade de haver uma degradação perto dos níveis observados em São Paulo. O que houve aqui foi falta de coerência no uso e ocupação do solo. Quando Pres
tes Maia planejou o crescimento da capital paulista, ao invés de ir na dele, os políticos de São Paulo passaram por cima dele.
A Commercial Properties trabalha com a comercialização, avaliação, gerencia-mento e o desenvolvimento de empreendimentos industriais, comerciais e de hote-laria, com imóveis rurais ou urbanos, nas mais diferentes regiões brasileiras e em diversos países. Um dos slogans da empresa é "conhecimento mundial em nível local". Como é possível conhecer, com profundidade, o mercado de tantas regiões?
Barinotti - O escritório central da empresa fica em São Paulo mas mantemos colaboradores nas principais cidades brasileiras, como Rio de Janeiro, Curitiba e Belo Horizonte. Além disso, quando somos contratados, a primeira coisa que fazemos é estudar a legislação da cidade, o plano diretor, a lei de zoneamento e a capacidade construtiva permitida no município. Estudamos essas cidades a partir do conhecimento que consolidamos em todo o mundo. Nossos colaboradores têm formação em arquitetura ou engenharia e são apoiados por profissionais de diversas áreas, como economistas, publicitários etc. Em geral, são pessoas da própria cidade, que estudaram lá e conhecem bem o município, o zoneamento e o plano diretor da cidade. São profissionais que já trabalharam na prefeitura ou na construção civil.
Quais são os mecanismos para obtenção de informações imobiliárias empregados pela Commercial Properties?
Barinotti - Pesquisa. Possuímos também um bom banco de dados, que construímos ao longo de vinte anos. O banco de dados, entretanto, é bom apenas para análises comparativas. Não resolve tudo. Não adianta apenas pegar o telefone, ter um microcomputador na frente e atualizar uma informação. O mercado não funciona assim; é muito mais dinâmico. Sem uma pesquisa para cada trabalho, não dá. Posso te citar um exemplo. Um cliente nos chamou para fazer uma avaliação sobre a locação de alguns andares em um grande edifício na região da Nova Faria Lima, em São Paulo. Os incorporadores estavam pedindo setenta e cinco reais por metro quadrado de área útil. Analisamos a procura local, a taxa de vacância na região e concluímos que o valor não passava de cinqüenta e cinco. A negociação foi fechada por sessenta reais. Um banco de dados apontaria algo próximo de setenta. A pesquisa fez a diferença.
Um dos maiores entraves para o desenvolvimento de empreendimentos imobiliários no Brasil é a falta de financiamento. A Commercial Properties tem trabalhado no sentido de financiar projetos a partir da emissão de debêntures e da formação de fundos de investimento imobiliários. Por que essas modalidades de financiamento não deslancham no Brasil?
Barinotti - Um fundo imobiliário precisa ter uma massa de investimentos e de projetos muito grande, pois tem uma administração cara, exige um agente financeiro de grande porte e um consultor imobiliário de credibilidade. Exige, ainda, que o número de empreendimentos seja de tal ordem que o custo dos construtores possa ser diluído e o retorno possa ser atraente. Os fundos não vingaram porque não diversificaram investimentos. É difícil encontrar um fundo imobiliário no Brasil que tenha um shopping center, um prédio de escritórios, uma área para galpões e um parque temático. Os investimentos foram muito pontuais.
E a emissão de debêntures?
Barinotti - Tem seguido o mesmo princípio equivocado. Os empreendimentos não foram atrelados. Criaram-se fundos imobiliários ou debêntures para apenas um empreendimento. Isso é errado. Teria de haver uma massa maior porque, às vezes, você perde. É normal. Um investimento pode dar errado mas se outros três ou quatro dão certo, ofuscam o mico. O receio dos investidores, porém, ainda é muito grande.
É possível aliar as atividades de avaliação e a de comercialização de imóveis, como faz a Commercial Properties, sem perder credibilidade no mercado?
Barinotti - Sem dúvida. Mesmo porque todos os nossos relatórios são baseados em pesquisas. Mostramos para cada cliente o que está sendo praticado no mercado em cada região. Não vejo, de forma alguma, a avalia-ção e a comercialização como duas coisas incompatíveis. Pelo contrário, uma empresa que só avalia e nunca experimentou vender um imóvel tem mais chances de estipular valores apenas para agradar ao cliente do que outra, habituada ao corpo a corpo do mercado.
Também publicado em: http://www.naibrasil.com.br/noticia66_120412_pt.html